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Animal símbolo do Nordeste, jumento pode sumir do mapa até 2022
Animal é abatido na Bahia e exportado para a China
Segunda-Feira, 02 de Agosto de 2021

O fiel companheiro do sertanejo e animal símbolo do Nordeste está ameaçado de extinção. O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA) prevê que, em 2022, já não existam mais jumentos na região. Antes bastante utilizado para transporte de cargas e pessoas, o jumento hoje é vítima do abate e tem seu couro exportado para países asiáticos, principalmente a China.


Dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento mostram que 5.396 jumentos foram abatidos na Bahia somente em abril de 2021. Os números do IBGE reforçam que a presença da espécie entre nós é cada vez menor. Em 1995, havia cerca de 300 mil cabeças na Bahia, caindo para 168 mil em 2006 e para 93 mil em 2017.



“O jumento está no Brasil desde o tempo do descobrimento e foi se reproduzindo, desenvolvendo espécies que só existem aqui e que vão acabar. Pelos números apresentados nos levantamentos do próprio Ministério da Agricultura, a partir do ano que vem, não teremos mais jumentos na Bahia e nem no Nordeste inteiro”, aponta a médica veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vânia Nunes.



A pele dos jumentos é procurada pela indústria farmacêutica e de cosméticos e usada para produzir o ejiao, uma gelatina da Medicina Tradicional Chinesa, que promete longevidade e virilidade. Os principais destinos das exportações brasileiras de peles cruas e couros de jumentos, mulas e cavalos são Itália, Portugal, Hong Kong, Espanha e China. Não conseguindo atender sozinhos as demandas do mercado interno, eles importam de países da África e América do Sul.  



Quase a totalidade dos jumentos do Brasil está no Nordeste. A Bahia, sozinha, concentra 90% dos jumentos brasileiros. Em julho de 2017, o estado começou a exportar carne e couro à China, com meta de enviar 200 mil unidades por ano. De  agosto  de 2017 até  setembro  de  2018,  somente a  empresa  de Amargosa abateu 44 mil jumentos. O abate foi banido na Bahia devido a uma ação da sociedade civil ajuizada em novembro de 2018, mas revertida em setembro do ano seguinte.


 


O alerta de irregularidades e risco de extinção é feito também por pesquisadores da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP em artigo publicado em abril deste ano numa edição especial do Brazilian Journal of Veterinary Research and Animal Science sobre o bem-estar no manejo de jumentos e mulas. O trabalho mostrou que, considerando apenas os registros do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o abate aumentou mais de 8.000% na última década. Entre 2010 e 2014, foram pouco mais de 1.000 abates em todo o país, enquanto que, entre 2015 e 2019, foram mortos 91.645 animais.



Oficialmente, apenas na Bahia, foram registrados 84.112 abates legais de jumentos entre 2017 e 2019. Os rebanhos de jumentos do Brasil foram reduzidos em 28% em seis anos, de 974.688 animais em 2011 para apenas 376.874 em 2017, de acordo com o IBGE. Os pesquisadores apontam que o ritmo atual coloca em risco a espécie, pois a taxa de reprodução não tem a mesma velocidade e não há, no país, uma cadeia de produção desses animais como se tem com bois e porcos, por exemplo. O período de gestação de uma fêmea é de mais de um ano, sem contar os altos índices de morte delas e dos filhotes na hora do parto.



A zootecnista e membro da Comissão de Bem-Estar Animal do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia (CRMV-BA), Chiara Oliveira, afirma que o interesse dos chineses pelos jumentos baianos se dá pelo baixo preço cobrado por eles e questiona os benefícios disso para a população. “Se a gente começasse uma cadeia de produção de verdade, eles iam ter que pagar mil reais por animal e isso eles não querem. Até que ponto vale, para a economia baiana, vender esse animal tão barato? Quem está ganhando com isso?”, pontua ela.



Chiara ainda ressalta que os jumentos são utilizados até hoje nas propriedades rurais, principalmente para a produção de sisal. “A Bahia é um dos maiores produtores de sisal do mundo e o sisal sai do campo no lombo do jumento. Você vai na loja comprar um objeto feito de sisal e não sabe que tem uma tração animal por trás disso. Precisamos saber que o jumento ainda é muito útil e levar conscientização para as pessoas que fazem esse uso para que tratem esses animais de maneira adequada. O jumento tem valor para a população nordestina e não pode ser vendido a preço de banana para o abate”, acrescenta a zootecnista.



“Vosmicê fique sabendo que o jumento tem valor”



O zootecnista da Cooperativa Mista Agropecuária do Médio Rio Pardo (Coopardo), Oderlan Lima, diz que os jumentos são muito comuns, principalmente, na região da Caatinga e Semiárido, tendo grande valor para a zona rural. “Onde chove pouco, as pessoas precisam buscar água em poços em longas distâncias para sobreviver e os jumentos são bastante utilizados para isso”, diz.



Além da água ou do leite, por exemplo, esses animais também são utilizados para transporte de alimentos. “Servem como força de trabalho, principalmente, nas pequenas propriedades rurais. As pessoas que moram em fazendas têm o famoso ‘jeguinho’ para ajudar. Elas plantam mandioca, milho, feijão, e isso tudo é transportado através dos jumentos. Eles colocam o caçuá sob esses animais e transportam da lavoura para a casa e depois para a cidade, para vender na feira. Sem contar que isso tudo também é plantado para consumo próprio, para sobrevivência”, acrescenta Lima.



O zootecnista lamenta a desvalorização dos jumentos e o risco de extinção. “Eles são abandonados, ficando à mercê da sorte e são vendidos a preço de banana para serem abatidos. Já vi muitos nas estradas, causando acidentes e até mesmo a carne de jumento sendo vendida na feira como se fosse de boi. Isso é um perigo e lamentável. O jumento tem o seu valor como força de trabalho e também cultural; já foi até homenageado por Luiz Gonzaga na música ‘Apologia ao jumento’”, finaliza.



Tentativa de proibição



A proibição do abate de jumentos na Bahia foi solicitada pela União Defensora dos Animais Bicho Feliz, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, a SOS Animais de Rua, a Rede de Mobilização pela Causa Animal e a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos.



Ao conceder liminar em 2018, proibindo a prática, a desembargadora Arali Maciel Duarte, da 1ª Vara Federal de Salvador, afirmou que “o Estado da Bahia tem registro de zoonoses graves em rebanhos equinos e bovinos e, ocasionalmente, surtos epidêmicos. Há um histórico de falta de fiscalização e comprometimento com a proteção do rebanho, afetando assim a imagem de nosso povo, a qualidade de nosso rebanho e uma inegável - e legítima - desvalorização de nossa identidade e economia”.



O abate voltou a ser permitido em 2019 e a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) normatizou processos e procedimentos para o trânsito e o abate de jumentos através da Portaria nº013/2020. A portaria foi elaborada conjuntamente pelos técnicos da autarquia e do Ministério da Agricultura.



O documento prevê a preservação da espécie e bem-estar dos animais, proibindo o abate das fêmeas no terço final da gestação e o abate dos animais com peso inferior a 90 kg, e limitando em 40% do abate das fêmeas por lote. O bem-estar, também, previsto na portaria seria garantido pelas propriedades de triagem e criação, ambas, com responsável técnico, vinculado ao frigorífico e com capacidade de recepção e manutenção dos animais dentro das normas técnicas de bem-estar animal.



Ainda de acordo com a portaria, as propriedades devem ser previamente cadastradas e periodicamente fiscalizadas pelos técnicos da Adab e devem ter estrutura de curral, cercas de divisas, bebedouros e alimentação suficiente para os jumentos. Mas, segundo defensores da causa animal, a regulamentação não é suficiente e a fiscalização, também de responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento, não acontece como deveria.



Irregularidades e riscos



“A gente vê que os critérios não estão sendo obedecidos e existe muita ilegalidade. Não estão sendo obedecidos critérios sanitários, nenhum acompanhamento de vigilância. Esses animais são capturados ou comprados a preços baixos, ficam aglomerados com fome e com sede e vão para o abate”, afirma a coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, Gislane Brandão.



A médica veterinária e diretora técnica do Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Vânia Nunes, diz que há uma omissão do poder público e que interesses econômicos estão sendo priorizados. “Sabemos que existem interesses econômicos que beneficiam alguns segmentos e fazem essa prática continuar permitida, apesar dos alertas que já foram feitos. Essa prática está acabando com os jumentos. A gente não pode admitir uma situação como essa. Estamos vendo uma verdadeira chacina de uma espécie fundamental”, alerta.



Vânia explica que o interesse nesses animais, que eram bastante utilizados na agricultura, foi diminuindo ao longo dos anos, fazendo com que os proprietários os abandonassem sem os devidos cuidados. Assim, os jumentos acabam circulando em vias públicas e estradas, por exemplo, sendo capturados e vendidos a preços baixos para serem destinados ao abate.



Na maioria dos criadouros, os jumentos ficam confinados em espaços pequenos e apertados, sem água e comida e sem os cuidados de um veterinário. Durante o transporte, o mesmo acontece. Sem contar os danos emocionais a esses animais, esse contato muito próximo entre jumentos de diferentes espécies sem controle sanitário pode significar a disseminação de doenças, contribuindo ainda mais para a ameça de extinção, além de trazer riscos para outros equinos e também para seres humanos.



“Já temos registros de anemia infecciosa equina em grande quantidade e também de mormo, que é muito grave e pode levar os animais e as pessoas à morte. Nisso a gente alerta para os riscos internacionais, já que esse material do abate é exportado. A própria influenza, que hoje faz com que todo mundo tenha que tomar vacina de gripe, veio das galinhas, de uma falta de observação e cumprimento de protocolos sanitários de transporte de animais. A gente tem várias doenças que vêm dos porcos e das galinhas e, nesse ritmo, vamos acabar tendo uma doença que venha dos jumentos”, alerta Vânia Nunes.



O mormo é uma zoonose infectocontagiosa causada pela bactéria Burkholderia mallei que acomete primeiro os equídeos (cavalos, burros e mulas) e pode ser transmitida eventualmente a outros animais e ao ser humano. A doença é transmitida pelo contato com animais infectados e é letal em até 95% dos casos em humanos.



O trânsito de animais assintomáticos é um fator de risco relevante na disseminação do mormo. A principal via de infecção é a digestiva, podendo ocorrer também pelas vias respiratórias, genital e cutânea. A disseminação ocorre principalmente por meio da  contaminação  do  meio  ambiente  por  secreção  oral  e  nasal  equinos  infectados, contaminando  os  alimentos,  cochos  e  bebedouros. Os  humanos podem se contaminar nestas mesmas fontes, assim como ao manipular animais, carcaças e secreções contaminadas pela bactéria.



No dia 30 de outubro de 2018, após denúncias, a polícia apreendeu caminhões carregados de jumentos, descarregando na Fazenda Vitória, situada no Distrito de Bandeira do Colônia, pertencente ao município de Itapetinga. Em fevereiro de 2019, cerca de 600 jumentos sob maus-tratos foram encontrados em uma pequena área no município de Canudos, com 140 sobreviventes. O mormo foi identificado em 10 desses jumentos. Foram 14 casos de anemia infecciosa equina, além de doenças como herpes e leptospirose e doenças parasitárias.



Em abril deste ano, em Paulo Afonso, foram encontrados jumentos aglomerados,  sem  água,  comida  e assistência médico-veterinária, amarrados e feridos, para serem transportados por 1.000 km para o abate em Itapetinga. Em julho, foram encontrados animais em Itatim extremamente magros, animais mortos e outros agonizando, sem água, alimento e assistência médico-veterinária, além de fetos abortados.



A Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) foi procurada pelo CORREIO para comentar sobre as exigências em relação aos procedimentos de abate, a fiscalização implementada e o risco de extinção do animal e afirmou que os criatórios e abatedouros de jumentos estão sob responsabilidade do Governo Federal. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento também foi procurado, mas não emitiu resposta até o fechamento da reportagem.



A prefeitura de Amargosa, cidade que possui um dos principais frigoríficos de jumentos do Brasil, afirmou que não possui ligação direta com o estabelecimento, mas defendeu sua instalação no município “em prol de gerar empregos e ajudar no aquecimento da economia”. A prefeitura ressaltou que o funcionamento do empreendimento está diretamente ligado ao sustento de mais de 150 famílias.

 

FONTE: www.correio24horas.com.br  
 
 

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