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Pequenos produtores de algodão driblam dificuldades e geram renda
Agricultura familiar no Sudoeste da Bahia recebe ajuda dos Programas de Irrigação e Fitossanitário da Abapa
Quarta-Feira, 18 de Setembro de 2024

Numa imensidão de verde e branco que saltam aos olhos ao passo que contrastam com o céu irradiante da tarde, está João Evangelista, de 52 anos, imerso numa plantação de algodão, que perfila sua cintura. O pequeno produtor do município de Malhada, localizado no Sudoeste da Bahia, está colhendo os frutos do suor do seu trabalho na roça, como faz questão de nomear os dois hectares de terra que hoje fazem parte do sítio Novo Milagre, de sua propriedade.

Apesar dos avanços, a região Sudoeste da Bahia ainda tem a produção da cotonicultura em menor escala, se comparado com a região Oeste, que detém 98% da produção do algodão, de acordo com dados da Associação Baiana de Produtores de Algodão (Abapa) da safra 2023/24.

Em março deste ano, as máquinas em campo sinalizaram o início da colheita do algodão na Bahia para a safra 2023/24. No Sudoeste, a área cultivada foi de 5.710 hectares, com quase todo o volume em áreas de algodão de sequeiro.


Já na região Oeste, foram cultivados 339.721 hectares de algodão, sendo 242.489 hectares de sequeiro e 97.231 hectares de algodão irrigado. O algodão de sequeiro aproveita a água da chuva e não necessita de irrigação durante as estações secas, e pode ser produzido uma vez no ano na região Sudoeste por causa das condições climáticas. Enquanto o algodão irrigado necessita de irrigação.

“Falta de chuva”

A renda mensal de João Evangelista vem do plantio e colheita do algodão e outras culturas, atividade que envolve também sua esposa Rosineide da Conceição, de 34 anos, e suas duas filhas, Anna Clara de Souza, de 18, e Nicoly de Souza, de 10, que também ajudam na produção. Apesar do otimismo que exalta em entrevista ao Portal A TARDE, João afirma que já teve alguns prejuízos por causa da falta ou irregularidade das chuvas durante o ano, característica do clima da região Sudoeste da Bahia.

“O bicudo maior que tem aqui é a falta de chuva”, diz João, se referindo à praga do bicudo-do-algodoeiro (Anthonomus grandis) que afligiu produtores de algodão na região, na década de 1990, trazendo diversos problemas para as safras. De acordo com informações divulgadas pelo Sistema de Informações do Patrimônio Cultural da Bahia (IPAC) o Sudoeste se insere no bioma Caatinga, que é caracterizado pelo clima semiárido. Além disso, a irregularidade das chuvas e a aridez de determinados solos não oferecem aptidão ao desenvolvimento de algumas culturas agrícolas.

Outro problema que prejudicou o plantio de culturas foi o fenômeno El Niño, com chuvas irregulares e abaixo da média. Apesar disso, a Abapa registrou 11,5% de replantio, correspondente a uma área de 20 mil hectares neste ano.

Com uma área de 200 hectares na cidade de Sebastião das Laranjeiras, próximo a Guanambi, Osvaldo Monção, de 64 anos, também faz da cotonicultura mão de obra, com ajuda da esposa Anne Tatiane, de 45 anos, e dos filhos, Otto, de 20, e Tato, de 25, além de vizinhos. O produtor afirma que o pior ano em relação às condições climáticas foi 2012, em que teve “uma seca e poucos períodos [de chuva]”.

Em 2012, Guanambi sofreu com uma estiagem prolongada, considerada umas das piores dos últimos 40 anos. No período, as lavouras de milho, feijão e sorgo foram perdidas.

Acostumado com a vida no campo desde "pequenino", como diz, Sidney Batista, de 40 anos, também faz parte do grupo de produtores de algodão da agricultura familiar. Ela ainda tem ajuda do irmão Valdinei Batista, de 42 anos, em um sítio próprio, o Caraíbas, no município de Palmas de Monte Alto, uma das cidades mais antigas da Bahia, também no Sudoeste.

Os dois viram a rentabilidade diminuir em 2017, quando colheram o algodão de sequeiro. “Teve escassez de chuva”, ressalta. Naquele ano, a região sofreu com estiagem, com volumes de chuva de 50 mm nos primeiros três meses. A situação foi considerada fora dos padrões de normalidade.

Novas perspectivas

Por causa dos problemas relacionados ao clima, Osvaldo Monção decidiu investir no algodão irrigado, que não necessita exclusivamente da chuva para crescer. “Com o plantio em novembro, se houver umidade suficiente, dá para plantar, se não der, ela [a semente] fica na terra, até vir a chuva. Se chover bem em janeiro, fevereiro e março, vem uma safra razoável. Já o [algodão] irrigado é bom porque se falta a chuva, entramos com a irrigação, no entanto, tem um custo que não é barato, mas o programa da Abapa ajuda muito”, explica o produtor.

O [algodão] irrigado é bom porque se falta a chuva, entramos com a irrigação, no entanto, tem um custo que não é barato, mas o programa da Abapa ajuda muito.

Osvaldo Monção - Produtor
A Abapa lançou o projeto ‘Apoio aos Pequenos Agricultores Familiares’, em 2014, que engloba o Programa de Irrigação da Abapa que fortalece a agricultura familiar no Sudoeste e Oeste baiano, com ajuda e suporte de materiais e produtos necessários para a produção do algodão irrigado.

Segundo o coordenador do Programa Fitossanitário da Abapa, Antonio Carlos Araújo, a distribuição dos materiais é feita de acordo com a demanda e necessidades dos pequenos produtores. “São entregues nos kits de irrigação, tubos PVC, conexões, fitas gotejadoras, filtros, sementes. Na região Oeste, fitas gotejadoras bomba, aspersores, entre outros”, explica.

Comecei a plantar algodão, deu resultado, aumentou a minha renda e melhorou a condição de vida [da família].

João Evangelista - Produtor

João Evangelista, que é contemplado com os kits desde 2021, por meio de incentivo da Abapa, conta que conseguiu prosperar e obter renda a partir do plantio do algodão e produção de outras culturas. “Foi quando eu comecei a plantar algodão, deu resultado, aumentou a minha renda e melhorou a condição de vida [da família]. Depois comecei a plantar melancia, melão, alface, tomate, pimentão, cheiro-verde, abóbora e quiabo. Quando aumentei a área para dois hectares, colhi 806 arrobas de algodão irrigado. Foi um recorde. A Abapa deu o incentivo e graças a Deus, eu prosperei”, comemora. Hoje, João, que se uniu a um colega para vendas, também tem um hortifruti e faz entregas a domicílio e através do WhatsApp.

De acordo com Sidney, os kits recebidos pela Abapa “implementaram uma melhora significativa na produção e rentabilidade”. O presidente da Abapa, Luiz Carlos Bergamaschi, explica que um dos principais motivos para o início da entrega dos kits é mitigar as questões climáticas e relacionadas à chuva no Sudoeste.

A distribuição de kits começou como na região de Malhadas, para que justamente por causa da questão da chuva, a região prosperasse.

Luiz Carlos Bergamaschi - Presidente da Abapa


“A distribuição de kits começou como na região de Malhadas, para que justamente por causa da questão da chuva, a região prosperasse. Todo ano há uma nova entrega de kits, com o objetivo de atender a necessidade da cultura no período, principalmente de menos chuva. Os kits são em torno de 1 hectare para cada produtor, a bomba e outros acessórios, e o que se percebeu é que a produtividade aumentou ou dobrou”, explica.

Diferente do algodão de sequeira, produzido em menor escala, o algodão irrigado é produzido em maior quantidade, o que resulta em colheitas mais volumosas nas safras. “Por causa do mercado, produzimos mais o irrigado”, diz o produtor Osvaldo Monção.

Os kits de irrigação que são ofertados pelo Programa da Abapa para os produtores que têm trabalhado com o algodão irrigado.

Nailton Almeida - Fiscal Estadual Agropecuário da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab)

“Os kits de irrigação que são ofertados pelo Programa da Abapa para os produtores que têm trabalhado com o algodão irrigado, fortalece também outras culturas e na entressafra, alguns nem utilizam o segundo ciclo de algodão, pois acabam fazendo outras culturas, como o melão, a melancia e o feijão, que também fortalecem a economia no Sudoeste”, ressalta o fiscal estadual agropecuário da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) e Coordenador do Projeto Fitossanitário do Algodão, Nailton Almeida.

Combate às pragas

Apesar de hoje não ser um dos maiores problemas para os pequenos produtores de algodão no Sudoeste, as pragas como o bicudo-do-algodoeiro ainda afeta a cotonicultura. Sidney Batista afirma que no início da colheita da safra, que geralmente acontece a partir de março, após o plantio em novembro, é perceptível o ataque do bicudo-do-algodoeiro, mas que depois do Programa Fitossanitário da Abapa, houve um “controle eficiente” da praga.


Nailton Almeida explica que o “Programa da Adab que atua junto com o Programa Fitossanitário da Abapa vem desenvolvendo na região, um trabalho de educação sanitária e orientação aos produtores quanto ao controle do bicudo e a erradicação das tigueras e soqueiras”, que podem surgir nas rotas de soja, algodão e milho. As soqueiras do algodão são provenientes dos restos culturais. Já as tigueras são plantas oriundas de sementes que emergem na cultura sucessora.

Orientação para o transporte do algodão e caroços, para evitar derramamento nas margens e rodovias, transporte de calcário e gesso.

Antonio Carlos Araújo - Coordenador do Programa Fitossanitário da Abapa


O Programa tem uma equipe de dez assistentes técnicos, entre agrônomos e técnicos agrícolas, que visitam e monitoram as propriedades de algodão na região Oeste e Sudoeste da Bahia. “Orientação para o transporte do algodão e caroços, para evitar derramamento nas margens e rodovias, transporte de calcário e gesso para que não retornem com caroços de algodão para as lavouras no momento da correção dos solos, eliminação das tigueras nas margens das rodovias, além de reuniões nos núcleos e associações, levando informações ao controle e manejo do bicudo e outras pragas do algodoeiro”, explica o coordenador do Programa, Antonio Carlos.

Papel do Sudoeste na cotonicultura

Como enfatiza Nailton Almeida, que está presente em campo para verificar e instruir os pequenos produtores sobre as pragas na cotonicultura, a região Sudoeste teve o “algodão como a principal cultura, mas a praga do bicudo-do-alogodoeiro fez com que as lavouras tivessem dificuldades econômicas”, por volta da década de 1990.

De acordo com informações da Abapa, ainda na década de 1980, as lavouras ganharam força no Vale do Iuiú, no Sudoeste do estado, onde o município de Guanambi se destacava como grande produtor da fibra, chegando a ter 331 mil hectares de lavouras.


A grade aradora que era usada no plantio, compactou o solo. Junto a isso, a reforma das lavouras, fez com que pragas como a do bicudo-do-algodoeiro se alastrassem. Hoje na região Sudoeste, a maior parte das produções são em padrões familiares.

Legado aos anos vindouros

Encarando os desafios, foi nesse momento, em 1984, que o produtor Osvaldo Monção montou a própria roça, com 10 hectares de terra para a produção de algodão. “Foi um sucesso, o preço estava no auge, uma colheita ótima, eu tinha o objetivo de colher 100, 120 arrobas, colhi 180. Cheguei a colher 440 arrobas numa só safra”, relembra. Osvaldo diz que com o valor obtido, reservou uma parte para a compra de materiais e um trator usado para aumentar a produtividade e a renda, bases para o sucesso, que gera frutos até hoje.

Para Luiz Carlos Bergamaschi, o objetivo da Abapa aos pequenos produtores, seja através do Programa de Irrigação ou Fitossanitário é trazer renda. “No próximo ano, vamos distribuir para outras pessoas do município que foram identificadas com necessidades, porque o programa continua”, reforça.

É fato que a expectativa de renda no campo é outra. A vastidão de branco das plantações de algodão gera mão de obra e receita para várias famílias, a exemplo do caso do produtor Osvaldo Monção, que através de incentivos fala sobre o orgulho de “viver do campo", com a previsão de prosperidade para as próximas gerações.

 

FONTE: atarde.com.br  
 
 

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