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Aumento do suicídio entre indígenas tupinambás gera alerta na Bahia
Aumento do suicídio entre indígenas tupinambás gera alerta na Bahia.
Sábado, 16 de Setembro de 2023

Em uma área de 470 quilômetros quadrados, a terra indígena Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, no Sul do estado, tem cerca de seis mil indígenas, 40 aldeias e uma história milenar. Nos últimos anos, porém, a comunidade teve que conviver com números de uma realidade dramática: entre 2019 e 2022, somente naquele território, foram registrados três suicídios de indígenas, além de ao menos uma dezena de tentativas por ano.

Das três vítimas, duas eram adolescentes de menos de 15 anos, enquanto a terceira era um jovem adulto. O aumento dos suicídios - e das chamadas lesões autoprovocadas - entre indígenas é uma questão que foi invisibilizada por muito tempo, mas, nos últimos anos, tem chamado a atenção de profissionais e autoridades de saúde.

Em 2021, de acordo com o Datasus, a população indígena na cidade chegou a ter mais casos de lesões autoprovocadas do que qualquer outro grupo populacional - de 36, foram 17 ocorrências de indígenas. Logo em seguida, foram 15 notificações de pessoas pardas, duas pessoas brancas, uma preta e uma amarela. Em todo o país, a taxa de suicídio entre indígenas é de 15,2 para cada 100 mil habitantes - quase três vezes mais do que entre brancos e negros.

"A gente percebe que sempre houve essas questões dentro do polo de Ilhéus, mas que recentemente tem tido um agravo, um aumento. Agora tem uma equipe para trabalhar diretamente com saúde mental, o que dá visibilidade a esses dados, e também pode ter ver com a pandemia, mas também traz uma carga histórica de pensar no sofrimento dessas violências", diz a psicóloga de saúde indígena Itaynara Tuxá, do povo Tuxá.

Como profissional do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena da Bahia (Dsei), ela atua diretamente no polo de Ilhéus. "Não é só a agressão do outro, mas a autoagressão, que tem a ver com aproximações dos contextos urbanos aos territórios, em que não há demarcação, em que há o livre trânsito de não-indígenas", cita.
As razões para a região despontar com esses índices teriam fundamentos históricos, de acordo com a psicóloga. Na localidade, não são incomuns os problemas decorrentes pela falta de demarcação das terras indígenas. "São conflitos históricos que têm influenciado na saúde de modo geral, mas que têm pontuado muito o adoecimento na saúde mental", explica.

Sendo considerado uma emergência humanitária, o contexto das populações indígenas - em especial, entre os Tupinambás de Olivença - revela a importância da abordagem para saúde mental no enfrentamento às tragédias, inclusive eventos climáticos. Para a psicóloga Renata Santos, presidente do Conselho de Médicos Sem Fronteiras (MSF), a atuação dos profissionais, bem como da entidade, precisa identificar quais são os grupos vulneráveis mais afetados por uma situação crítica. A organização internacional está em mais de 70 países.

"A gente sabe que a população indígena e a população negra são algumas das populações que já estão ou estavam à margem da sociedade antes mesmo de um evento crítico que ocasionou a resposta. Esses grupos merecem mais atenção. Também é assim com pessoas idosas, com alguma comorbidade. É preciso ter um olhar atento e ativo para esses grupos", enfatiza.

Tanto Renata quanto Itaynara estiveram em Salvador para discutir cuidados de saúde mental em emergências humanitárias, em um debate promovido por MSF, na última quinta-feira (14), na Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Invisíveis

No caso da população indígena, os casos de suicídio e tentativa de suicídio têm ligado um alerta para a idade das vítimas - em geral, jovens e adolescentes. Foi assim tanto em 2019, quando uma adolescente com menos de 15 anos cometeu suicídio e também no ano passado, quando o ato foi praticado por um garoto também menor de 15 anos. Das três mortes, duas foram de homens.

No entanto, entre as tentativas, de acordo com a psicóloga Itaynara Tuxá, as mulheres e meninas são mais frequentes. Por ano, ela diz que notifica entre oito e 12 tentativas de suicídio apenas no território. O universo, porém, pode ser ainda maior. "Nem estou contando com a ideação, que são aquelas pessoas que já planejaram em algum momento. De todas as que já atendi, 70% delas em algum momento na vida já cogitaram".

Na terra indígena Tupinambá de Olivença, segundo Itaynara, há diferentes realidades entre as aldeias. Enquanto algumas são mais articuladas, outras são mais esquecidas. Umas nem mesmo têm acesso que não seja a pé. Ainda assim, de forma geral, as comunidades sofrem com a vulnerabilidade social e a ausência de políticas públicas.

"É importante pensar que a gente tem falado sobre a importância do território, as violências pela insegurança no território e essa aproximação com esse outro mundo, porque a cidade tem outra lógica. Esses jovens cresceram nessa era mais tecnológica e enfrentam muitos preconceitos quando não estão em seus territórios. A invisibilização é muito grande nesse sentido, com uma fragilização da identidade".

No final de 2021 e início de 2022, quando cidades do Sul da Bahia foram afetadas pelas fortes enchentes, a comunidade fez uma parceria com Médicos Sem Fronteiras, que promoveu uma qualificação emergencial, segundo Itaynara.

"A gente tende a falar muito desse lugar de violação de direitos, de violência e sofrimento, mas é importante destacar que o território é vivo, dinâmico e importante para essas populações. Seria importante encontrar uma saída pelo modo de viver deles, com a garantia dos direitos humanos e da autodeterminação desses povos", reforça.

Ela defende um trabalho interdisciplinar. "Muita gente pensa que o trabalho em saúde mental é só do psicólogo, do psiquiatra ou através de medicamentos e esquece a dimensão política e social que são dessas comunidades, dos territórios, da coletividade mesmo. Isso é um diferencial das populações indígenas, essa aposta do cuidado a partir do coletivo".

Preparação

Depois de uma emergência humanitária ou de uma tragédia, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 22% das pessoas desenvolvam ou tenham transtornos mentais agravados se não receberem nenhum tipo de assistência em saúde mental. Como lembra a psicóloga Renata Santos, de MSF, é comum que o foco nessas situações seja em resgatar as pessoas, prestar assistência imediata e atender necessidades básicas.

Há outros aspectos, porém, que devem ser igualmente encarados como primordiais nesses contextos. Um deles é a informação, já que a falta de notícias sobre parentes e amigos costuma provocar mais ansiedade. Mas, além disso, ela defende que a saúde mental seja observada com a mesma importância desde o começo.
"O sofrimento emocional está presente desde o momento zero e ele vai se desenrolando, se cronificando, a depender do tipo de cuidado e atenção, até meses depois do acontecido. Na covid, foi assim. A gente teve projetos voltados para a resposta, aos cuidados físicos, mas a gente percebeu um aumento da demanda de saúde mental vinda tanto dos profissionais quanto das comunidades".

Segundo Renata, é importante observar se as pessoas estão apresentando reações normais diante das catástrofes ou se têm uma reação anormal de sofrimento que pode chegar a níveis cognitivos e emocionais. Alguns sintomas são insônia, agitação, dificuldade de se concentrar e sentimento de desesperança.

Nesses contextos, muitas vítimas são ajudadas por suporte da família, de amigos e da comunidade em que vivem. Há, ainda, quem encontre apoio em grupos dos quais já faz parte, como instituições religiosas. "A gente não pode abrir mão da presença de profissionais com qualificação técnica, mas esse suporte não é o único e nem deve ser considerado o único, porque é a rede de apoio quem faz esses primeiros cuidados", diz ela, lembrando que um diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático, por exemplo, nunca é fechado antes de três meses após esse evento ter acontecido.

Além disso, a medicalização também pode ter um efeito adverso do esperado, de acordo com ela. Renata reforça que os governos e autoridades em geral devem estar preparados para atuar em situações futuras, especialmente em catástrofes climáticas. A entidade atuou nas inundações da Bahia entre 2021 e 2022, assim como esteve presente em episódios como o de Brumadinho (MG), em 2019, e atualmente está com uma equipe no Rio Grande do Sul.

"Como estamos nos preparando para a próxima crise? A gente sabe que eles vão acontecer, sabe quais são os períodos críticos para as situações ambientais no Brasil. Em todo período de chuva, alguns grupos e populações estão mais vulneráveis aos efeitos. Não tem como dizer com precisão quando, mas a gente sabe que vai acontecer, então a preparação é muito importante", completa.

 

FONTE: www.correio24horas.com.br  
 
 

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