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Como Abaíra, a cidade da cachaça, virou referência no cuidado aos idosos na pandemia
Município na Chapada Diamantina tem o maior percentual de idosos, grupo de risco da covid-19, da Bahia
Domingo, 12 de Julho de 2020

"Mas como vou na feira?”. Era uma das perguntas que a agente comunitária de saúde Bárbara Oliveira, 37 anos, mais escutava, em meados de março. Naquela época, no começo da pandemia da covid-19 na Bahia, ela ia de casa em casa para pedir que os moradores de Abaíra, na Chapada Diamantina, evitassem sair para conter o novo coronavírus.


Só que o questionamento costumava vir daqueles que estão no topo da preocupação dos especialistas em saúde pública em todo o mundo: os idosos. Em Abaíra, a situação ganha contornos mais alarmantes: com 8,7 mil habitantes, ela tem o maior percentual de moradores com 60 anos ou mais entre todos os 417 municípios baianos.

Ou seja, a cidade que ficou famosa pela produção da cachaça também carrega o título de mais longeva do estado. Lá, pouco mais de 19% dos habitantes são idosos, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). É maior do que a média do estado, que ficava em torno de 15,2% da população, em 2019.

“Eu falava: ‘calma, gente. Logo, logo, isso tudo vai passar’. No começo, foi um pouquinho trabalhoso, como em todos os lugares. Mas, aqui, os idosos estão acostumados com aquela rotina de sentar na porta, de passear, fazer suas próprias compras. Muitos são mais fortes do que eu, que tenho 37 anos, e gostam de estar na rua”, conta Bárbara.


Esse era bem o caso de Dona Ameli Azevedo, 70. Ela foi uma das que mais sentiu a diferença. Antes, era ela, que vive em uma casa com o marido de 75 anos, quem resolvia tudo. Ia à farmácia, ao mercado e, principalmente, à tradicional feira livre de Abaíra, sempre aos sábados.

“Agora, eu só fico dentro de casa”, diz a aposentada. Hoje, quem faz as compras e resolve o que for preciso é algum dos dois filhos que também moram no município. Eles não entram no imóvel, mas passam com frequência para saber se os pais precisam de algo.

A netinha de seis anos costuma visitá-la do portão.


“É cansativo ficar dentro de casa, mas, se é pelo bem de todos, vamos ficar. Temos que ficar. A gente não está cuidando só da gente, estamos cuidando do outro também”, diz dona Ameli.

Em casa, o quintal virou seu refúgio. Cuida das plantas, das flores e cultiva uma pequena horta. “Às vezes, fico só contemplando mesmo. Mas também faço meu bordadinho, uns exercícios de fisioterapia, e tenho meu trabalho de dona de casa, que você sabe como é”, explica.

Até então, o distanciamento social na cidade vem dando certo. Mesmo com um alto percentual de idosos, os casos de covid-19 em Abaíra parecem estar controlados: até o momento, são apenas cinco casos confirmados, com nenhuma morte. Na cidade, uma das 324 que tem 100% de cobertura total na atenção básica, nenhuma das confirmações aconteceu na última semana. Enquanto isso, em toda a Bahia, já foram registrados mais de 2,3 mil óbitos e mais de 101 mil infectados. A mediana de idade das vítimas fatais é de 70 anos.

Em casa

Pelo menos uma vez por mês, os agentes comunitários de saúde visitam os moradores de Abaíra. Com os mais velhinhos, o contato precisa ser ainda maior. Nos últimos meses, porém, os encontros acontecem do portão ou pelo WhatsApp. ”Aqui, muitos moram sozinhos. Me preocupo mais com esses, mas são os que mais surpreendem”, conta a agente Bárbara Oliveira.


Para evitar sair de casa, os que não têm família por perto pedem ajuda até aos agentes para comprar o que estiver faltando. A maioria cumpre o distanciamento. “Tem uns 15% que são um pouco teimosos. Mas, aqui, os jovens deram e estão dando mais trabalho do que os idosos”, reforça.

Para evitar sair de casa, os que não têm família por perto pedem ajuda a vizinhos ou até aos próprios agentes para comprar uma coisa ou outra que estiver faltando em casa. "É uma cidade muito amiga e aqui tem confiança. Já tem mais de cinco anos do último homicídio aqui. Toda cidade tem coisas erradas, mas a nossa é um lugar calmo, graças a Deus".

Mas, no geral, a agente comunitária de saúde acredita que os idosos se adaptaram bem à nova rotina. A maioria cumpre o distanciamento social.

"Eu diria que tem uns 15% dos mais velhos que ainda são um pouco teimosos. Mas, aqui, os jovens deram e estão dando mais trabalho do que os idosos", diz.

A dona de casa Landinalva Ferraz, 60, que não vai à feira livre há mais de três meses, é uma das que pode dizer que conseguiu se adaptar. Chegou a passar dois meses sem pisar o pé na rua. Agora, vez ou outra, sai para ir ao mercado. “Mas vou sempre de máscara e levo meu álcool em gel”, faz questão de dizer.

O marido, alguns anos mais novo e “com a saúde melhor”, também resolve muitas coisas por ela, que tem uma cardiopatia não detectada e fazia tratamento contra o câncer de mama. No entanto, ele precisou fazer uma viagem nos últimos dias. Como foi urgente, dona Laide, como é mais conhecida, acabou ficando sozinha em casa.

“No começo (da pandemia), eu pensei que ia enlouquecer. Trancava o portão com cadeado, com medo de alguém chegar. Tudo para ninguém entrar aqui na minha área”, lembra. Com o avançar dos dias, ela diz que começou a entender melhor como as coisas funcionavam.

Sair não é fácil, mas não só pelos motivos óbvios: por muito tempo, ela também evitou abrir a porta com medo de um dos costumes das cidades pequenas.

“Em cidade do interior, todo mundo quer cumprimentar todo mundo. Eu pensava, como vou sair, se não vou cumprimentar? Aí só pensava: ‘não vou sair”.

A covid-19 também fez com que ela ficasse longe da família. Ela não vê o pai, de 88 anos, que vive na zona rural da cidade, desde que o distanciamento social começou. Quem tem cuidado dele é um irmão, que mora ao lado. Há a preocupação, ainda, com outros dois irmãos moram no estado de São Paulo, onde há mais casos de covid-19 no Brasil.

“Amanhã mesmo, tenho que ir ao banco, porque meu marido não está aqui. Vou procurar ir bem à tardezinha, porque sei que tem menos gente. Eu confesso que odeio usar máscara, mas não deixo de usar”, admite.

Orientação
A avaliação de que os moradores mais longevos da cidade têm seguido as recomendações dos profissionais de saúde também é compartilhada pela coordenadora epidemiológica da prefeitura de Abaíra, Daniele Baêta. De acordo com ela, há um trabalho grande focado em orientação e conscientização dos idosos. As equipes explicam a necessidade de usar máscaras, higienizar as mãos e dos cuidados nas ruas.

Além disso, os grupos com eles foram suspensos nas unidades de saúde. Os atendimentos passaram a ser feitos após agendamento, com hora marcada, nos horários em que a demanda dos postos de saúde é menor.

“As receitas de hiperdia foram ajustadas para um tempo de validade maior para evitar que esse idoso fique indo até a unidade”, diz ela, referindo-se o programa do Ministério da Saúde destinado ao atendimento de pacientes com hipertensão e diabetes.

Quando necessário, há visitas domiciliares - especialmente aos idosos acamados.

“Uma vantagem é que temos agente de saúde em todas as localidades. Temos 100% de cobertura (de atenção básica), então todas as casas são acompanhadas. A campanha de vacina da Influenza foi feita toda nos domicílios com um enfermeiro e um técnico de enfermagem”, completa Daniele.

Na zona rural, também há agentes comunitários de saúde que fazem as visitas, como é o caso de Nelsonete Ferreira. Na época da campanha da vacinação contra a gripe, os agentes avisaram a cada um dos moradores que os procedimentos seriam feitos em casa.

“Nesse período de pandemia, toda a população teme por ser um vírus altamente contagioso. Como eles estão com medo, não saem. Nossa preocupação é porque tem vindo muita gente de São Paulo. Muita gente das famílias têm voltado e, de repente, pode ter algum caso assintomático”, afirma.

Segundo ele, o primeiro dos cinco casos confirmados na cidade foi de um homem natural de Brumado e que prestava serviços a uma empresa de minério na cidade.

“Ele se contaminou em Brumado e infectou outras pessoas da fábrica de minério. O quinto caso foi de um idoso que estava internado em Seabra para tratamento de anemia crônica. Ele foi encaminhado a Salvador, onde pegou o coronavírus”, explica o agente comunitário de saúde.

São os agentes comunitários de saúde os responsáveis por detectar recém-chegados à cidade. Cada pessoa que chega a Abaíra deve assinar um termo de isolamento, garantindo que não vai transitar pela cidade pelos 14 dias seguintes. As barreiras sanitárias que foram instaladas nas entradas dos municípios funcionam de segunda a sábado.



Já na feira livre, há uma equipe fixa da Secretaria de Saúde para garantir que as pessoas não deixem de usar máscaras e não fiquem aglomeradas nas barracas. “Fazemos campanha de conscientização para que as pessoas cuidem dos idosos, que façam a feira para eles, o mercado deles. Tudo para evitar que eles fiquem expostos”, diz a coordenadora epidemiológica da cidade, Daniele Batêa.

Abaíra também tem vantagens em relação ao seu entorno. Dos cinco municípios que fazem limite com ela - Jussiape, Mucugê, Piatã, Rio de Contas e Rio do Pires -, apenas Jussiape não teve novos casos de covid-19 nos últimos cinco dias, de acordo com a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab).

O maior crescimento médio percentual no período foi de Rio de Contas, com três casos de coronavírus e aumento 40%. Mucugê, com 14 casos, teve um crescimento médio de 3,21% nos últimos cinco dias, enquanto Piatã, com 10 ocorrências, aumentou 4,72%. Única cidade limítrofe com um óbito, Rio do Pires tem 14 casos e, nesse período, teve um crescimento de 1,54%.

Além de Abaíra, pelo menos duas dessas cidades estão entre as 10 que têm maior percentual de idosos na Bahia: Jussiape, a segunda maior, com 18,74%, e Rio de Contas, a sétima, com 16,51%.

Em família
Na casa da aposentada Maria de Fátima Novaes, 60, são três idosos. Além dela própria, seu marido tem 68 anos e é diabético e a mãe tem 97. Eles moram, ainda, com uma filha de 38 e o neto de seis anos.

Só sai de casa uma vez na semana - justamente para ir à feira no centro de Abaíra. “Mas lá tem os agentes que não deixam a gente ficar muito junto um do outro”, explica.Para ela, porém, hoje tem gente "escapulindo" da quarentena. Ela percebe que o número de pessoas que vêm de estados como São Paulo também aumentou. "Eles vêm de carro próprio mesmo. Graças a Deus, esse ano, muitas pessoas que tinham o costume de vir em junho não vieram. O movimento do São João foi mais tranquilo", avalia.

Dona Maria de Fátima não conhece ninguém em Abaíra que tenha tido covid-19. No entanto, como muitos vizinhos, ela tem parentes em São Paulo.

"Minha sobrinha que mora lá teve, mas ficou bem. Pelo que a gente vê na televisão, é uma doença muito triste. Eu tenho medo, porque ninguém está livre".

Também aposentada, Maria da Glória Brito, 61 anos, só sai para fazer caminhadas. Recomendação de seu médico, explica. Às vezes, vai sozinha; em outras, vai com o marido de 68 anos. Os dois moram sozinhos desde que os filhos decidiram sair da cidade em busca de emprego. A filha vive em Goiânia e o filho mora em São Paulo.

"Antes mesmo de terminar o Ensino Médio, meu filho já falava que não podia ficar parado. Devido à falta de emprego aqui, decidiu ir para São Paulo", conta. O jovem trabalhou em uma loja por alguns anos, até perder o emprego na pandemia. Mesmo assim, ao contrário de outros conterrâneos que voltaram à Abaíra, decidiu ficar por lá.

"Ele estuda Administração lá. É bolsista na Mackenzie e, por enquanto, as aulas continuam online e ele está recebendo seguro desemprego", explica dona Maria da Glória.

Assim, é também ela quem ocasionalmente faz as compras no mercado. O movimento nos estabelecimentos, porém, foi reduzido. "O pessoal está receoso mesmo e sinto que está tendo cuidado. Alguns jovens que às vezes encontro sem máscara, mas não tem jeito. Todo lugar tem algumas pessoas assim. Mas os idosos estão fazendo tudo certinho", garante.

Único abrigo de idosos da cidade chegou a ter caso suspeito de covid-19

Em uma cidade com tantos moradores com 60 anos ou mais, não dava para imaginar que não acontecessem alguns sustos. Um deles foi justamente no único abrigo de
idosos de Abaíra - a casa de apoio Dr. Lúcio Meira Mendes, fundada em 2009.

No local, vivem idosos em alguma situação de vulnerabilidade, além daqueles que já não contam com laços familiares ou têm problemas com a família.

Logo nos primeiros casos da pandemia, houve uma suspeita de que um dos 20 velhinhos que lá residem - 11 homens e nove mulheres - tivesse sido infectado pelo coronavírus. No entanto, após o teste, que deu o resultado negativo, houve uma orientação específica da Secretaria de Saúde do município aos residentes e aos funcionários.

De acordo com a assistente social Marinalva Novais, uma das responsáveis pela casa de apoio, o espaço seguiu as recomendações dos órgãos de saúde, suspendendo visitas e redobrando cuidados com higiene e distanciamento. Todos os funcionários devem usar máscaras.

Mas, entre os moradores, alguns resistem a usá-las.

"Eles (os idosos) estão tranquilos, porque muitos já não têm noção do que está acontecendo. Alguns até relatam que é uma peste e que os mais velhos já diziam que, no fim dos tempos, tudo isso ia acontecer",  diz a assistente social. Para ela, os idosos na cidade vivem bem, principalmente pelos hábitos saudáveis.

"Abaíra é uma cidade quente, onde os idosos se sentem muito bem. Até hoje, eles sentam na calçada de suas casas para bater papo, contar histórias. Vivem rodeados de muitos produtos plantados de maneira orgânica, a maioria em seus próprios quintais. Podemos dizer que eles ainda dormem mais de oito horas (por dia)", explica.

Modo de vida, poucos nascimentos e migração: os motivos para Abaíra ser uma cidade de idosos

Mas o que justificaria tantos idosos em Abaíra? De acordo com a coordenadora epidemiológica da prefeitura do município, Daniele Batêa, poucas crianças nascem, anualmente, na cidade. De fato, de acordo com as estatísticas de registro civil do IBGE, em 2018, foram 51 nascimentos. E 2017 e em 2016, não foi muito diferente: 50 e 49, respectivamente.

É o menor número, entre as cidades vizinhas. Jussiape, com uma população menor (6,1 mil), teve 66 nascimentos em 2018. Mucugê, com nove mil habitantes, registrou o nascimento de 157 crianças no mesmo ano. Piatã, com uma população maior (17 mil), teve também o maior número de novos moradores: 225 em 2018. É natural que, assim, a média de idade da população seja mais velha.

Além disso, para a escritora Marilene Prado, que publicou o livro Com Abundância e Muito Mel, sobre Abaíra, em 2005, o grande número de idosos está mesmo relacionado a diferentes fatores, que vão desde a localização geográfica até a qualidade e o estilo de vida. Um dos exemplos que ela cita é que, na cidade, não é comum ver acúmulo de lixo ou esgoto a céu aberto.

“Desde 1937, com a chegada do médico sanitarista Francisco  Rocha Filho, todos foram conscientizados a ter sua força sanitária. Não podia criar animais soltos nas ruas. Mesmo na zona rural, os hábitos são levados a sério”, diz Marilene, que tem 75 anos e também é natural do município.

A escritora destaca que, ainda que os primeiros registros de Abaíra sejam do século 19 - a exemplo da Igreja Matriz, fundada em 1879 -, ela só ganhou status de município recentemente, em 1962, quando foi emancipada de Piatã.

De fato, o estilo de vida pode afetar a longevidade de uma população, como explica o geógrafo Clímaco Dias, professor do Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

“Uma coisa é eu entrar em ônibus, metrô, passar duas horas, como muita gente aqui em Salvador. Outra coisa é ter uma vida mais tranquila, com aposentadoria, sentar na porta, ir para a roça e trabalhar um tempo razoável, com um exercício”, reflete.

Além disso, ainda que precise investigar mais a fundo a composição de renda de Abaíra, outro aspecto pode ser uma das explicações: a saída de jovens da cidade, em busca de emprego. Todas as idosas nessa reportagem, por exemplo, citaram parentes próximos que foram morar em outros estados - a maioria em São Paulo. Por lá, ficaram.

“Se os jovens saem muito, o peso da população mais velha passa a ser maior (na pirâmide etária). Se há uma migração muito grande de jovens, vão ficando os mais velhos, vivendo de aposentadoria”, diz o professor.

Em pirâmides etárias (ou demográficas), a faixa de idade mais alta fica no topo. Assim, se uma localidade tem mais idosos, o topo ficará maior - pode, inclusive, superar a base, que indica os nascimentos.

Ainda assim, ele faz uma ressalva com relação ao índice de Salvador - com uma média de 9,26% de população idosa, a capital é apenas a 356ª mais longeva do estado. No entanto, em cidades grandes, é difícil enxergar aspectos próprios de cada bairro.

“Nossa desigualdade é tão imensa que é uma média esquisita, porque tem bairros de classe média (em Salvador) que tem 25% de população idosa. A base em bairros populares é imensa embaixo e pequena no topo. Nos bairros de classe média, é o contrário”, explica o professor.

 

FONTE: www.correio24horas.com.br  
 
 

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